A lenda que você vai ler foi escrita por Neil Philip, um especialista em folclore e mitologia, essa lenda encontra-se no livro Volta ao mundo em 52 histórias.
A alma e o coração da baleia
Neil Philip
Era
uma vez um corvo muito bobo e convencido que voou para bem longe e foi parar no
mar. Exatamente de tanto bater as asas, procurou um lugar para descansar, mas
não avistou nenhum pedaço de terra no meio de toda aquela água.
--
Vou morrer afogado! – Suspirou, já sem forças para continuar voando.
Nesse
exato momento, uma enorme baleia subiu à tona, e o corvo, sem pensar duas
vezes, mergulhou naquela bocarra aberta.
Foi
parar na barriga da baleia, onde, para seu espanto, deparou-se com uma casa
muito limpa e confortável, bem iluminada e quentinha.
Uma
jovem estava sentada na cama, segurando uma vela acesa.
--
Fique à vontade, – disse ela amavelmente – mas, por favor, nunca toque em
minha vela.
O
corvo, feliz da vida, prometeu que jamais faria tal coisa.
A
moça parecia inquieta. A todo instante se levantava, ia até a porta e voltava a
sentar na cama.
--
Algum problema? O corvo perguntou.
--
Não...”, ela respondeu.
--
É só a vida... A vida e o ar que se respira.
O
corvo estava morrendo de curiosidade. Assim quando a jovem foi até a porta,
resolveu tocar na vela para ver o que acontecia. E aconteceu que a moça caiu estatelada
na sua frente e a luz se apagou.
O
mal estava feito. A casa ficou fria e escura, o cheiro de gordura e sangue
deixou o corvo enjoado. Inutilmente ele procurou a porta par sair dali e, cada
vez mais nervoso, começou a se coçar de tal modo que arrancou todas as
penas.
--
Agora é que vou morrer congelado, – choramingou corvo, tremendo até os ossos.
A
moça era a alma da baleia, que a movimentava para a porta toda vez que enchia
os pulmões de ar.
Seu
coração era a vela acesa. Quando o corvo a tocou, a chama se extinguiu. Agora a
baleia estava morta e guardava em seu interior o pássaro intrometido.
Depois
de muito chorar e pensar, o corvo finalmente conseguiu sair das escuras
entranhas e sentou no dorso daquele imenso defunto. Ensebado, sujo, depenado,
era uma tristíssima figura.
A
baleia morta ficou flutuando no mar até que desabou uma tempestade e as ondas a
empurraram para a praia. Quando a chuva parou, alguns pescadores saíram para
trabalhar e viram a baleia. O corvo também os viu e se transformou num
homenzinho feio e estropiado. Então, em vez de confessar que se intrometera
onde não fora chamado e destruíra algo de belo que não conseguia compreender,
pôs-se a gritar:
--
Eu matei a baleia! Matei a baleia!
E
foi dessa forma se tornou um grande homem.
Neil Philip. Volta ao mundo em
52 histórias. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000.
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